Exodontia de incisivos em coelho (Oryctolagus cuniculus): utilização de agulhas hipodérmicas como luxadores periodontais.
Pessoa C.A.1, Fecchio R. S.2, Souza P.C.3 Pesquisa
Mestrando em Medicina Veterinária no Setor de Epidemiologia
Experimental e Aplicada às Zoonoses, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ),
Universidade de São aulo (USP). Endereço particular: Rua Feliciano Bicudo 154, Apto
52, Vila Paulicéia, SP 02301-020, Brasil. *Autor para correspondência:
animalexotico@terra.com.br. 2 Laboratório de Odontologia Comparada, FMVZ, USP, Av. Prof. Dr.
Orlando de Marques
de Paiva 87, Bloco 8-superior, Cidade Universitária, São Paulo, SP
05508-270. 3Mestranda
do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária
e Zootecnia da
Universidade de São Paulo. Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva,
87. CEP 05508 270 -
Cidade Universitária. São Paulo/SP – Brasil.
Introdução:
A ordem Lagomorpha é
constituída de duas famílias, Ochotonidae (lebresassobiadoras) e Leporidae (lebres e coelhos). Ambas perfazem um total de 12
gêneros e 81 espécies (Nowak 1999).
Os lagomorfos se distinguem dos roedores pela presença de dois
pares de incisivos maxilares (duplicidentata), enquanto os roedores apresentam apenas
um par (simplicidentata) (Shipp & Fahrenkrug 1992). Os dentes
incisivos dos coelhos possuem um sistema pulpar apical aberto (sem a formação de raízes
verdadeiras – dentes arradiculares), que resulta em crescimento e erupção constante por
toda a vida do animal (Crossley 1995, Legendre 2003), fato que os classifica como
Elodontes. Como não há diferença anatômica entre coroa e raiz dos dentes, estes são
divididos em coroa clínica (supra gengival) e coroa de reserva (subgengival); e o conjunto
das duas é denominado de coroa anatômica (Kraus 1969, Wiggs & Lobprise 1995).
Maloclusão dos incisivos é a manifestação mais comum de problemas
dentários em coelhos, resultando em hipercrescimento dentário. A maloclusão de
incisivos poder ter etiologia variada, como afecção congênita; injúria traumática, prognatismo
mandibular (ou braquignatismo maxilar), afecção secundária à maloclusão dos
dentes posteriores e doenças osteo-metabólicas (Capello 2005).
Prognatismo mandibular (alongamento da mandíbula) ou
braquignatismo maxilar (encurtamento da maxila) caracterizam-se por distúrbios congênitos
(genéticos) e são as causas mais comuns de maloclusão de incisivos em coelhos (Crossley
2003). Tais distúrbios impedem a movimentação rostro-caudal mandibular dos
coelhoe e, dessa forma, compromete o desgaste fisiológico dos incisivos e ocasiona
hipercrescimento dentário (Capello 2005).
As indicações para exodontia de incisivos em coelhos incluem
maloclusões severas (congênitas ou adquiridas), fraturas dentárias graves, perda de
incisivo oposto, afecção endodôntica e periodontal (Crossley 2003, Capello 2005, Fecchio
2007).
As técnicas cirúrgicas empregadas na exodontia de incisivos de
lagomorfos exigem amplo conhecimento anatômico dentário, bem como acompanhamento
radiográfico pré e pós-cirúrgico (Crossley 2003, Capello 2005). De um modo geral, o
comprimento dos dentes incisivos dos coelhos é menor do dos roedores como
hamsteres e ratos.
Relato
do caso: Um coelho de
aproximadamente quatro anos, macho, foi atendido apresentando sialorréia, disfagia, maloclusão e hipercrescimento
dos dentes incisivos. Tal animal havia apresentado a mesma afecção, com o mesmo quadro
clínico, em outros momentos, tornando-se paciente recorrente de intervenções de cunho
odontológico. Tal fato que gerou grande incômodo, e como tratamento definitivo,
optou-se pela exodontia de todos os incisivos. O animal foi contido fisicamente para
indução de anestesia com isofluorano a 1% por meio de máscara, com aumento gradativo para
evitar a apnéia, muito comum nesta espécie, até ser alcançado o plano anestésico
cirúrgico. Neste momento o paciente foi entubado, utilizando-se uma sonda uretral
como sonda endotraqueal.
Inicialmente realizou-se antissepsia da margem gengival dos
incisivos com clorexedina a 1% e, em seguida, sindesmotomia (descolamento do sulco gengival ao
redor do dente) com auxílio de elevador periostal.
Tomou-se o cuidado de não aplicar força excessiva, que poderia
ocasionar disjunção da sínfise mentoniana. O osso alveolar é particularmente fino na face
labial dos incisivos, exigindo maior cuidado ao luxar esta face dentária. Constatada
completa luxação
dentária, optou-se pela remoção do elemento dentário com auxílio
de fórceps odontológico. Antes da remoção de cada dente, o mesmo foi
pressionado apicalmente (em direção ao assoalho do osso alveolar) de forma a proporcionar
destruição completa do tecido germinativo apical, visto que remanescentes deste tecido
podem gerar novo rescimento dentário. Cada dente foi então extraído, realizando-se
movimentos rotatórios até sua completa remoção do alvéolo.
Discussão
e conclusões:
O comportamento alimentar dos coelhos não é alterado de forma
significativa após a exodontia dos incisivos, pois os lábios e língua assumem a função
de preensão do alimento. Acredita-se que a alta prevalência de maloclusão
dentária seja devida ao alto grau de consangüinidade dos indivíduos comercializados como
animais de estimação, visto que não há qualquer controle ou regulamentação associada ao
manejo reprodutivo desses animais.
Exame clínico, doenças e tratamentos relacionados à cavidade oral
em lagomorfos assumem características únicas relacionadas à sua anatomia e
fisiologia, que diferem bastante dos demais animais domésticos. O médico veterinário,
portanto, deve adquirir pleno conhecimento destas particularidades antes de instituir
tratamentos clínicos e/ou cirúrgicos nesses
animais.
Referências: KRAUS, B. S. The Study
of the Mastigatory System Dental anatomy. Lea & Febiger, Philadelphia, 1969. - SHIPP, A. D.; FAHRENKRUG, P.
Practitioner’s Guide to Veterinary Dentistry.
Shipp’s labs Publishing Co, California, 1992. - CROSSLEY, D. A. Clinical aspects of
rodent dental anatomy. J. Vet. Dent., v. 12, n. 4, p. 131-135, 1995. - WIGGS, B.; LOBPRISE, H.
Dental Anatomy and Physiology of Pets Rodents and Lagomorphs. In:
CROSSLEY, D. A.; PENMAN, S. Manual of Small Animal Dentistry.
British Small Animal
Veterinary Association, London, 1995. p. 68-73. - NOWAK, R. M. Walker`s mammals of the
world. 5a ed.
V. 1. The Johns Hopkins University Press, Baltimore, Maryland,
USA, 1999. - CROSSLEY, D. A. Oral Biology and Disorders Lagomorphs. In:
CROSSLEY, D. A. Oral Biology, Dental and Beak Disorders. Vet. Clin. North Am. – Exotic
Animal Practice, v. 6, n. 3, p. 629-659, 2003. - LEGENDRE, L. F. J. Oral Disorders of Exotic
Rodents. In: CROSSLEY, D. A. Oral Biology, Dental and Beak Disorders. Vet. Clin.
North Am. – Exotic Animal Practice, v. 6, n. 3, p. 601-628, 2003. - CAPELLO, V. Rabbit and
Rodent Dentistry Handbook. Zoological Education Network.
Lake Worth, Florida,
2005. - FECCHIO, R. S. ; ROSSI Jr., J. L. ; GIOSO, M. A. . "Maloclusão em roedores e lagomorfos: aspectos
clínicos". Boletim Informativo da ANCLIVEPA-SP, São Paulo/SP, p. 11 - 13, 01 jul. 2007.
Termos de indexação: Coelho, Oryctolagus
cuniculus,
exodontia, incisivos.
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